quarta-feira, maio 27, 2009

O Jogo do Amor

Uma explicação matemática para a dificuldade de se encontrar um grande amor

por Rafael "Nash" Borges



"Amar é dar a alguém o poder de te ferir profundamente / ...e esperar que ele não o faça. / E nós nunca confiamos em alguém tão facilmente como o fizemos na primeira vez."
Clique para ampliar


"A Teoria dos Jogos é um ramo da Matemática Aplicada que é usado nas Ciências Sociais (notavelmente a Economia), Biologia, Engenharia, Ciências Políticas, Relações Internacionais, Ciência da Computação e Filosofia. Ela almeja analisar matematicamente o comportamento em situações estratégicas, nas quais o sucesso de um indivíduo ao fazer escolhas depende das escolhas de outros."[1] Assim diz a Wikipedia. Resumindo, na Teoria dos Jogos faz-se uma análise fria da situação, chamada de Jogo, e define-se quais estratégias maximizam as chances de sucesso de um jogador, ou ao menos minimizam suas chances de fracasso. Sendo os relacionamentos amorosos um tipo de situação beeeem estratégica, com dois (ou mais!) jogadores com objetivos bem definidos, a gente pode tratá-los como um Jogo e tascar matemática em cima. É o que vou fazer aqui, mas tomando uma abordagem mais pop, digamos assim, da Teoria dos Jogos do que matematicamente rigorosa.

Um Jogo muito conhecido é o do dilema do prisioneiro. Ele consiste no seguinte:

"Dois sujeitos são presos pela polícia. A polícia não tem evidências suficientes para uma condenação e, tendo separado ambos os prisioneiros, visita os dois para propor o mesmo acordo: se um dos suspeitos testemunhar contra (trair) o outro e este outro ficar em silêncio (cooperar com o outro), o traidor fica livre e o cúmplice calado recebe a sentença integral de 10 anos. Se ambos ficarem quietos, os dois são sentenciados a apenas 6 meses por um crime leve. Se ambos se traírem, cada um recebe uma pena de 5 anos. Cada prisioneiro deve escolher entre trair o outro ou permanecer em silêncio. A cada um é assegurado que o outro não vai saber sobre a traição até a investigação ser concluída. Como os prisioneiros devem agir?"[2]

Vamos pensar. Chamarei os dois prisioneiros de A e B. Sem perda de generalidade, vamos analisar primeiro qual decisão é mais vantajosa para A. O prisioneiro B só pode tomar duas atitudes. Se ele ficar quieto, A pega uma pena menor se trair (pena zero) do que se ficar quieto (6 meses). Por outro lado, se B o trair, A também pega uma pena menor se trair (pena de 5 anos) do que se ficar quieto (10 anos). Então, independentemente da decisão de B, é sempre mais vantajoso para o prisioneiro A trair do que cooperar. Logo, individualmente, a melhor estratégia é trair. O resultado deste Jogo, se ambos os prisioneiros estiverem cientes disto, é que A e B se traem, pegando cada um 5 anos de prisão.

Relacionamentos amorosos são muito parecidos com o dilema do prisioneiro. Inclusive, o termo "traição" não precisa nem de uma tradução para a situação XD Imagine: se nenhum namorado trai o outro, ambos têm que fazer algum esforço para manter a fidelidade, o que equivale a uma pena branda para os dois. Se apenas um trai, o outro se ferra feio (pena máxima). Se ambos se traem, feridas são abertas, mas não tão profundas (metade da pena). O que a Teoria dos Jogos diz é que o resultado racional de um namoro é que ambos os namorados se traiam! :O


Se sua namorada for racional, é melhor ir preparando a testa


Uma situação um pouco diferente e mais complicada é a questão de levar ou não um namoro a sério, no sentido de investimento emocional. Se ambos os namorados investem bastante emocionalmente no namoro, há um bom retorno para os dois (coisas que só um grande amor proporciona). Se ambos não se levam a sério, o retorno não é tão grande, mas ninguém se prejudica. Mas se um investe bastante e o outro não leva a sério, o que investiu se prejudica muito, enquanto que o outro até tem algum retorno.

Neste caso, não há um resultado racional previsto pela Teoria dos Jogos: se B investe, para A é melhor investir; mas se B não investe, é melhor para A não investir. Não existe uma estratégia individual ótima para A que seja independente da atitude tomada por B. Então, se A não sabe qual é a de B, a decisão de investir ou não no relacionamento fica a gosto de A. Se A for uma pessoa que prefere arriscar alto pra faturar alto, vai investir; se prefere correr poucos riscos e não se ferir, não vai levar o namoro a sério.

Superracionalidade: um modelo matemático para se jogar limpo

A perspectiva de se saber que o arranjo mais racional de um namoro vai te deixar com um belo par de chifres na testa não deve ter lhe agradado muito, certo, leitor? Pensando assim, o cientista Douglas Hofstadter criou o conceito de superracionalidade. Jogadores superracionais sempre cooperam com outros jogadores superracionais e todos eles seguem uma mesma estratégia que visa maximizar o retorno obtido no problema. Por exemplo, no dilema do prisioneiro, se A e B são superracionais então ambos vão ficar quietos, porque eles sabem que assim diminuirão a pena total (6 meses + 6 meses = 1 ano, que é menor que os 10 anos dos outros casos).

"Superracional" não é sinônimo de otário. Se um jogador superracional joga contra um jogador sabidamente racional, ele adota a estratégia racional de trair sempre. Se ele joga com um jogador que não se sabe superracional ou racional (ou mesmo irracional hehe), ele vai definir sua ação de acordo com a probabilidade de o outro jogador ser superracional.

No caso do problema do investimento no amor, se ambos os namorados forem superracionais os dois vão investir bastante no namoro. Se A é superracional e B é racional, A vai deixar claro que quer investir, assim B também vai investir (o que é a estratégia racional para o caso) e o ganho vai ser maximizado. O problema é se B não for superracional nem racional, mas um filho da puta mesmo. Mas aí não há teoria matemática que dê jeito — a única estratégia vencedora contra um jogador filho da puta é não entrar no jogo.

Mas quem quer jogar limpo?

Podemos separar as pessoas em 3 tipos: o virtuoso, que nunca adota de antemão uma estratégia que prejudique outra pessoa, mesmo que ele arrique a se prejudicar deste jeito; o filho da puta, que sempre quer levar vantagem em tudo; e o indeciso, que gostaria de ser um virtuoso, mas tem tanto medo de se prejudicar que acaba agindo como um filho da puta às vezes.

Não conheço a distribuição estatística destes 3 tipos na população mundial. Estimativas minhas (no chutômetro) variam entre 10%/90%/10% e 25%/50%/25% de virtuosos, indecisos e FDPs, respectivamente. Um estudo mostrou que 40% das pessoas cooperaram num experimento semelhante ao dilema do prisioneiro.[3] Se o estudo tiver valor estatístico, isto mostra que grande parte das pessoas é boa demais ou racional de menos para prejudicar um desconhecido, mas ainda se trata de menos da metade da humanidade. O que explica a dificuldade em se achar pessoas fiéis e que estejam dispostas a arriscar viver um grande amor.

Escolher entre não prejudicar ou não ser prejudicado é uma questão pessoal. Porém, se você prefere não ser prejudicado, não seja um filho da puta: seja uma pessoa racional. Não saia prejudicando todo mundo sem motivo. O mundo agradece. Da mesma forma, não seja um virtuoso apenas, seja superracional, se você prefere não prejudicar. Assim, você favorece a quem merece e não faz papel de otário. E saiba sempre com que tipo de jogador você está lidando, seja no namoro, seja na parceira de crimes. Isto evita muita dor de cabeça desnecessária :)

Só mais uma coisa

Que você, leitor, que ainda está à procura de um amor de verdade, possa encontrá-lo! Mas enquanto não encontra a pessoa certa, vá se divertindo com as erradas mesmo. Hehe

Rafael Borges é matemático, mas nunca estudou nada de Teoria dos Jogos. E sempre se atira de cabeça, com resultados nem sempre satisfatórios.

2 comentários:

Victorunico disse...

Este foi o único artigo que encontrei "aplicando" a Teoria dos Jogos ao caso do namoro. Realmente não dá prá levar a sério isso! kkk.
Primeiro porque interpreta a palavra "jogo" de um ponto de vista moral. Tipo "quem é o lobo mau da história" (ou seja, está jogando/brincando com sentimentos!). kkk.
Segundo, reduz o namoro a possibilidade de trair/não trair, simplificando demais e na verdade, não conseguindo relacionar situações realmente mais simples, como a exemplificada neste artigo matemático... tem um exemplo (página 07) que mostra como fica o jogo, em termos de perdas e ganhos, no caso de um querer futebol, e outra querer cinema: http://www.mat.puc-rio.br/~hjbortol/bienal/M45.pdf

Borges disse...

Fala, Victor Hugo! Caraca, alguém leu o meu texto, que emoção ;_;

É, eu realmente não tive a intenção de escrever algo rigoroso, eu avisei. Mas pera lá! Eu não interpretei a palavra "jogo" de um ponto de vista moral. Eu defini jogo como uma situação estratégica na qual o sucesso de um indivíduo ao fazer escolhas depende das escolhas de outros e que é alvo de estudo da teoria dos jogos, tá lá no 1º parágrafo!

O que você pode afirmar, com alguma razão, é que eu fiz um julgamento moral sobre o conceito de jogo, ou, mais especificamente, sobre os jogos descritos no texto (trair/não trair, investir/não investir no namoro). Pois é, na minha opinião trair não é uma coisa ética. Mas é apenas a minha opinião. De repente você, sei lá, pode não ver problemas em levar um par de chifres! kkk.

Vou ler o texto que você indicou!

Ah, e não quis reduzir o namoro somente à questão trair/não trair. Não foi esta a minha intenção. Apenas peguei isto como exemplo de uma aplicação direta de um caso bastante conhecido da teoria de jogos, que é o dilema do prisioneiro, aos relacionamentos amorosos. Sim, a questão trair/não trair foi simplificada neste texto, mas toda modelagem matemática envolve algum grau de simplificação, não é mesmo? O próprio dilema do prisioneiro é uma simplificação do que acontece na vida real. E os namoros envolvem várias outras questões, e apenas algumas delas podem ser descritas pela teoria dos jogos (mesmo que na brincadeira).

De toda forma, não concorda que o dilema do prisioneiro é muito parecido, senão equivalente, ao "dilema" de trair ou não trair no namoro? Porque o dilema do prisioneiro também é uma situação de trair/não trair, onde você sempre tem uma perda menor se trair!

Espero que você volte para ler esta minha resposta. Abraço!