Muita gente ouve esta música e nem se liga que há uma história sendo contada. Os mais atentos percebem: a música é claramente sobre uma tentativa de suicídio. Se o suicídio foi levado a cabo ou não, este é o ponto de discordância. Uma pá de gente, incluindo o Julio, acha que o narrador morreu e está sendo velado. Eu já acho que o cara não conseguiu morrer. Um verso em especial parece em total concordância com a primeira tese:
"Há flores cobrindo o telhado"
O telhado aí, em sentido figurado, seria a tampa do caixão do defunto. Sim, é normal haver flores jogadas na tampa do caixão. Porém, no verso seguinte:
"E embaixo do meu travesseiro"
O travesseiro aí, nesta teoria, só poderia ser uma parte acolchoada do caixão na altura da cabeça, já que ninguém é enterrado com travesseiro. Certo? Mas não se coloca flores debaixo do acolchoamento. E, se colocassem flores entre o acolchoamento e o narrador, ele deveria dizer ao invés "E em cima do meu travesseiro". Fora que, se seguirmos esta teoria, alguns outros versos ou parecem fora de contexto ou perdem o sentido cronológico que eu acredito que a letra possua (ninguém toma soro depois de já estar dentro de um caixão, em outras palavras).
Reconheço que esta interpretação do telhado é muito interessante e algo que eu não tinha pensado antes. Mas o fato é que desde a época do Titãs Acústico, quando ouvi a música pela primeira vez, a música para mim sempre foi sobre uma tentativa frustrada de suicídio. Senão, vejamos:
Começa a história. Estando há algum tempo deprimido (por motivos desconhecidos, mas tenho minhas "teorias", que exporei na próxima seção :D), o narrador volta para casa. Neste dia específico, ele (ou ela) tem um descontrole emocional e desconta a raiva e frustração em algumas flores no canteiro do quintal, antes de entrar em casa. Chegando em seu quarto, idéias perturbadoras surgem em sua mente. Sozinho em casa, deprimido e angustiado com a decisão que deverá tomar, o narrador se fita fixamente no espelho, com o olhar vago e pesado. É daí que começa a narração:
"Olhei até ficar cansado / De ver os meus olhos no espelho".
"Chorei por ter despedaçado / As flores que estão no canteiro": neste momento, o narrador se sente um merda total que não vale nem as flores que ele acabara de destruir. Na sua visão distorcida pela depressão, sua vida só trazia desgraça e destruição, para si e para os outros. Então, aos prantos, ele toma a decisão: vai se cortar.
"Os punhos e os pulsos cortados / E o resto do meu corpo inteiro". Este verso possui uma ambigüidade. Se houver uma vírgula ("E o resto do meu corpo, inteiro"), isto quer dizer que ele cortou somente os pulsos; mas se não tiver a vírgula então isto significaria que ele se cortou todo. Este detalhe seria importante para fazer um provável diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline, o que faria todo o sentido de acordo com a minha teoria. Mas esta suposição não é crucial pra elucidar o ponto de discórdia, então sigamos adiante considerando apenas o fato de que ele cortou os pulsos.
O sangue começa a se esvair no chão do quarto. Enfraquecido, o narrador cai no chão, ao lado da cama. O vermelho do sangue lembra as flores (rosas?) de seu canteiro. Neste momento, o narrador começa a ver flores em tudo à sua volta:
"Há flores cobrindo o telhado / E embaixo do meu travesseiro / Há flores por todos os lados". Alteração mental é um sintoma presente em casos de choque hipovolêmico (causado por grande perda de sangue)[1], não sendo incomum haver delírio[2]. Se bem que não podemos descartar a possibilidade de o narrador ter usado algum narcótico antes. Enfim, caído no chão ele vê flores no teto do quarto (como Lester Burnham em "Beleza Americana", só que sem a adolescente gostosa) e em tudo o mais. "Telhado" e "travesseiro" foram palavras escolhidas para manter a rima; não passam de exemplos do caso mais geral,
"Há flores em tudo que eu vejo". Logo depois da confusão mental vem o desmaio pela falta de sangue no cérebro. Se o sangramento persistir, a pessoa pode entrar em coma e morrer.
O narrador retoma a consciência no hospital. Provavelmente alguém chegou em casa (algum parente?) e o encontrou desmaiado. O socorro foi rápido e evitou a sua morte. Agora ele se encontra num quarto do hospital, já fora de perigo. Ele se sente fraco, com dor no corpo e nos locais dos cortes. O impulso insano que o levou a tentar se matar passou, mas ainda não passaram a tristeza e a angústia que o causou.
"A dor vai curar estas lástimas / O soro tem gosto de lágrimas". Alguma visita deixou flores em seu quarto. Isto o lembra da experiência passada:
"As flores têm cheiro de morte". Resignado, o narrador reflete sobre a vida e a morte e vê que sua atitude impulsiva não era a única saída para seu problema: o próprio tempo faz com que a dor emocional acabe passando. As feridas emocionais se fecharão junto com as físicas. Mas enquanto não fecharem totalmente, haverá dor.
"A dor vai fechar estes cortes".
Ainda triste, o narrador se compara a uma flor artificial, inferior a uma flor de verdade e que não é capaz de morrer justamente por já estar vazia de vida.
"As flores de plástico não morrem".
Agora, diz aí: Who's your daddy? Uh? Uh?
Razões para a tentativa. Tenho várias hipóteses. Primeiramente, o narrador poderia ser Emo:
Supondo que o narrador fosse mais normal, é possível que os Titãs estivessem prestando uma tributo a algum compositor da nossa música. Seria o narrador de "Flores" o mesmo que narra "As Rosas Não Falam"? Faz sentido... A angústia por ter um amor não correspondido, a fixação com flores... O cara foi lá queixar-se às rosas, mas, que bobagem!, as rosas não falam. "Por que não falam? Vão ficar aí me ignorando, é? ENTÃO TOMA!!!" e aí começa "Flores". Ou, vai ver, ele poderia ser o protagonista de "Flor de Lis". Um grande amor terminado por uma traição do narrador, a falta de mulheres que veio depois disto, flores citadas aqui e acolá...
"E foi assim que eu vi nosso amor na poeira / Morto na beleza fria de Maria / E meu jardim da vida ressecou, morreu". Sim, tudo se encaixa.
Não consigo deixar de pensar também que a música "A Flor", dos Los Hermanos, trata-se na verdade de um prequel, uma verdadeira homenagem aos Titãs. O camarada manda uma flor pra sua paixão platônica, ela recebe pensando que foi outro cara que enviou, os dois começam a transar loucamente e o narrador fica só chupando dedo. Transtornado, ele põe toda a culpa na maldita flor. Adivinha como ele vai descontar toda a raiva e frustação depois disto?
Aff, por hoje é só, pe-pessoal!